Nas últimas 24 horas, o Brasil registrou 5.132 novos focos de incêndio, respondendo por 75,9% das áreas incendiadas em toda a América do Sul, conforme dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O bioma Cerrado, em particular, tem visto um aumento significativo nos incêndios, superando a Amazônia em termos de áreas afetadas. Somente entre ontem (9) e hoje, foram registrados 2.489 focos de incêndio no Cerrado.
Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e uma autoridade no estudo de incêndios, manifesta grande preocupação com a situação. Ela destaca que o avanço das chamas está ocorrendo antes do previsto para o período crítico de queimadas. “Estamos enfrentando uma situação extremamente difícil e incerta. Esperamos que não se repita o cenário do final do ano passado, quando a situação na Amazônia piorou em outubro e a chuva só começou em janeiro. Estou muito apreensiva com o que acontecerá após setembro.”
Nos primeiros dias de setembro, o número de focos de incêndio no país já ultrapassou o dobro do registrado em 2023. Em apenas dez dias, foram identificados 37.492 focos, comparados aos 15.613 no mesmo período do ano passado.
Ane Alencar acredita que a intensificação dos incêndios deste ano se deve a uma combinação de fatores, incluindo o segundo ano de El Niño, o fenômeno La Niña, o aquecimento global e a ação humana. “Embora o Brasil já tenha enfrentado secas severas em diversas regiões, é raro ver vários biomas afetados ao mesmo tempo. Estamos diante de uma verdadeira ‘tempestade perfeita’, onde o clima agrava a propagação do fogo causado pelas queimadas”, afirma.
Além dos impactos na Amazônia e no Pantanal, o estado de São Paulo também está em situação crítica. No Cerrado, duas importantes unidades de conservação estão sendo afetadas. No Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, 10 mil hectares foram consumidos pelas chamas, enquanto em Mato Grosso, que lidera o número de focos de incêndio, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) interditou temporariamente pontos turísticos da unidade. No entanto, a Parquetur, responsável pela gestão das unidades de conservação, informou que as atrações turísticas em Goiás não foram interditadas, pois o incêndio está em uma área que não compromete as zonas de visitação.
Apesar de a seca contribuir para problemas econômicos e ambientais, como o isolamento de comunidades e a mortalidade de espécies, ela não é a causa direta dos incêndios. A pesquisadora explica que o fogo é geralmente iniciado por ações humanas, como o uso de queimadas para renovação de pastagens e desmatamento.
O aumento dos incêndios também está afetando a qualidade do ar e a saúde pública. O Ministério da Saúde ativou a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (FN-SUS) para ajudar a mitigar os efeitos das queimadas. Ane Alencar aponta que os impactos vão além da saúde, abrangendo a economia, a biodiversidade e o bem-estar geral. “Os incêndios provocam perda de biodiversidade, reduzem a capacidade de recuperação das áreas queimadas e afetam serviços ecossistêmicos, como a disponibilidade de água e a retenção de carbono. Além disso, as florestas desempenham um papel crucial no conforto térmico.”
Apesar das restrições ao uso do fogo em muitas áreas afetadas, a especialista acredita que é essencial aumentar a conscientização pública. “Para enfrentar essa crise, as ações governamentais, sejam federais, estaduais ou municipais, não serão suficientes sem o engajamento da sociedade”, conclui.
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